quinta-feira, 29 de abril de 2010

O PROBLEMA DA FORMAÇÃO MORAL, DO EGOISMO, E DA ALIENAÇÃO DO SER ÉTICO

                                                                                                          por Dr. Diego H. Rodrigues
Apesar do título negativista este é um texto que busca compartilhar esperança, esclarecer certos conceitos da ética sob a luz da psicologia clinica, e defender ideais de pouca notoriedade nos dias atuais. Ocultarei certos detalhes do caso clinico discutido por questões de privacidade; contudo, desejo que este real exemplo de culpa e redenção sirva para reflexão mais do que apenas uma ilustração.
Há um "certo" numero de anos recebi o caso de um adolescente "pichador" de certo renome em Los Angeles. Chamaremos esse rapaz de R.A. Com apenas 15 anos de idade R.A desafiou leis federais e alcançou fama nacional ao pichar monumentos históricos com o emblema de sua gangue. O caso de R.A exigiu uma equipe multidisciplinar composta de um oficial da justiça, um psiquiatra, um advogado e de seu psicólogo. Ao ler a referência clinica e as noticias na mídia tive a impressão de que receberia como cliente um marginal perigoso mas, tão logo conheci R.A, meus preconceitos foram desafiados. Este jovem era um excelente retrato desta geração alienada e ao mesmo tempo, um individuo de imenso potencial e surpreendente eloqüência.
R.A desafiou a promotoria ao recusar um acordo para uma sentença mais curta em troca do nome dos membros da sua gangue. O oficial de justiça me explicou com veemência que a corte esperava que eu, o psicólogo, pudesse "trazer bom senso a este marginal" e convencê-lo a entregar seus parceiros no crime em troca de uma pena menor. Não poderia concordar com essa visão do trabalho terapêutico. Acredito no papel do psicólogo como agente de mudança social – SIM – mas essa mudança social se inicia de forma orgânica e sistêmica a partir de pequenas mudanças pessoais de nossos clientes; mudanças essas que são escolhas pessoais e não decisões feitas pelo psicólogo/terapeuta.
Não creio que a ética clinica possa se esconder sob o véu da neutralidade, mas tampouco posso compactuar com a noção do psicólogo como um "encantador de serpentes" capaz de controlar a mente e/ou o livre arbítrio de outrem. Ofereci a R.A o ouvir clinico e empatia e recebi em troca várias lições para minha pratica profissional e vida pessoal. A escolha, como sempre, pertencia e pertence ao cliente clinico e não ao terapeuta.
Vivendo à distância, posso estar desatualizado, mas vejo na mídia escrita ou falada no Brasil poucas profundas discussões sobre moral e ética. Nosso emergente país parece passar por uma fase adolescente na qual superficialidades são priorizadas no cotidiano ao invés de comedimento, bom julgamento e integridade. Os Estados Unidos passam por um momento de inquietude social no qual a libertinagem e a liberdade se confundem. A história de R.A representava com assustadora proximidade ambos os problemas éticos: Onde a responsabilidade social se inicia e a liberdade individual de aplicar um senso ético situacional se encerra? Como podemos discutir com seriedade e pragmatismo o desenvolvimento do julgamento e integridade?
R.A se amparava em uma ética situacional egoística que afirma que um individuo deve buscar o melhor para si mesmo acima de qualquer outro valor, crença, ou regra. Ao mesmo tempo, ele preteria a ética utilitarista, que crê em leituras quantitativas de maior benevolência sobre a maldade, pelo "código de ética" que defendia os interesses de seu próprio grupo de amigos (gangue) de privacidade e sigilo. Pais freqüentemente me perguntam o que fazer quanto a falta de desenvolvimento moral de seus filhos; minha preocupação é com a visão desfigurada de moralidade e ética não só de adolescentes mas crianças e jovens adultos.
Reafirmo minha posição em relação ao conceito de Ética segundo o Divino Comando; como cristão creio na sabedoria infinita do Criador assim como faço uma leitura literal da Bíblia que pode servir para "...se conhecer a sabedoria e a instrução; para se entenderem, as palavras da prudência. Para se receber a instrução do entendimento, a justiça, o juízo e a eqüidade; Para dar aos simples, prudência, e aos moços, conhecimento e bom siso"; (Prov.1: 2-5). Também creio que o verso 31 de Provérbios 1 ("Portanto comerão do fruto do seu caminho, e fartar-se-ão dos seus próprios conselhos.") não se trata de uma sugestão da existência de Karma mas sim da simples constatação quanto às conseqüências lógicas do livre Arbítrio. Entretanto, a ética clinica que incorpora a maior parte de meus princípios profissionais é a ética teleológica que não exclui minha fé ou confronta meus valores.
O conceito de ética Teleológica declara o imperativo da justiça e da utilidade de cada ato; assim como a ética utilitarista, as idéias teleológicas são representadas pelo resultado final de benevolência maior que maldade, graça e empatia subjugando o egoísmo, e moderação acima do hedonismo. O que R.A não compreendia é que existem diferenças claras entre noções éticas e conjuntos de regras que pertencem a um individuo ou a um grupo, mas que não servem para o beneficio da sociedade como um todo. Como psicólogo clinico, tenho aprendido valiosas lições de superação e mudança e suas subseqüentes ramificações em famílias, escolas, ambientes de trabalho, e nas comunidades onde trabalho. Aprendo com meus clientes tanto (ou mais) quanto almejo que eles aprendam comigo.
R.A aprendeu de seus pais, também membros de uma das mais perigosas e violentas gangues de Los Angeles, a viver sob a ética do medo e da maldade. Esse rapaz estava disposto a enfrentar sozinho as conseqüências de um ato conjunto em nome de um senso de lealdade e cumplicidade que escondia o temor da rejeição e emulava a idéia de pertença a uma família que ele nunca teve. Este caso me fez pensar em quantas vezes pais dentro de nossas igrejas verdadeiramente se sentam com seus filhos para explicar como tomam suas decisões cotidianas, como equilibram desejos pessoais e responsabilidades sociais, e como se auto-definem e um mundo de inconstante transposição de vários papéis na vida publica perdidos na superficialidade. Infelizmente, vários pais são confrontados com a necessidade de oferecer aos filhos uma educação moral retroativa quando lições e atenção preventiva poupariam muitos do desgosto do arrependimento e sofrimento.
Aos jovens e adolescentes gostaria de lhes pedir que tenham um pouco mais de coragem para remar contra a correnteza da mediocridade e alienação pela qual nossa sociedade trafega. Seria hipocrisia alegar que desde minha infância possuí uma afiançada ancora moral; mas não hesito em agradecer a meus pais por serem bons exemplos de bússolas morais e pacientes mestres na escola da vida. Mesmo exibindo uma pluralidade de correntes éticas, meus pais me educaram a priori através da ética teleológica a buscar o bem para os que me cercam, entender a mesma graça que recebi, e conservar nosso maior bem: a integridade.
Voltemos à questão da ética teleológica: espero que não seja apenas um leitor casual que irá esquecer a importância deste conceito. Caso nada mais lhe sirva entre estas linhas, meu desejo é que aceite este desafio: nos próximos dias, pondere antes agir, pense antes de falar, e avalie em seu coração e mente quanto a utilidade e a conseqüência de suas atitudes. R.A ouviu este desafio várias vezes; e defendo minha escolha clinica pois não busquei anular o seu livre arbítrio ou confrontar diretamente suas regras por mais que contrastassem com as minhas. Minha recomendação clinica é que cada um de meus clientes, amigos, e leitores possam avaliar se suas atitudes resultarão em maior benevolência e serão benéficas para vários ou egoístas e hedonistas. Aos que se sentem incapazes ou desinteressados eu os desafio a defenderem o argumento de que o ser humano além de ser social não é também um ser ético capaz de mudanças profundas e significativas.
No início do texto afirmei ser esta uma história de redenção e aprendizagem. Aprendi com R.A sobre a capacidade de jovens, mesmo encorajados a embarcar na vanguarda do egoísmo, de reconhecer seus erros e buscar o perdão, reconciliação com a sociedade, e crescimento moral. Aprendi que um compasso moral seguro vale mais que regras de grupos volúveis, assim como aprendi que neutralidade clinica é ainda mais incoerente quando se trata de acompanhar pessoas em sua jornada em busca de propósito e tentar não se emocionar com suas conquistas. R.A está se formando no colegial - algo que seu oficial de justiça e advogado afirmaram ser impossível, voltou a viver com seus pais, e quer se tornar um médico. É possível que sua vida siga outros rumos e que essa experiência se perca entre outras escolhas, mas para mim, fica a lição da importância de educar nossos jovens e crianças quanto os vários conceitos éticos, ensinar através de exemplos diários o valor da integridade, e ponderar a conseqüência de nossas atitudes que esperançadamente trarão para nossa vida, famílias e comunidade benevolência que subjuga a maldade e injustiça.    Diego H. Rodrigues. MA MFT

Biografia
Diego H. Rodrigues é um psicólogo clinico trabalhando no condado de Los Angeles através de uma ONG e em uma clinica de inclusão social. Palestrante fixo do ERUSD PI, um instituto para pais e educadores e participante em vários projetos de prevenção à violência em parceria com o departamento de policia de Los Angeles, PRIDE, STR, e Safe Schools LA, Diego tem trabalhado com famílias e adolescentes em vários distritos escolares e comunidades na California. Diego Rodrigues é Mestre em Psicologia Conjugal e Familiar e Especializado em Psicologia Clinica na Universidade ESUDA, nos Estados Unidos.